Especialista fala sobre os desafios da integração dos sistemas nacionais de monitoramento ambiental para uma gestão regional das águas amazônicas

mar 6, 2024NOTICIAS SITE, Projeto Bacia Amazônica

 

Os esforços nacionais e regionais dos países membros da OTCA para melhorar o estado dos recursos hídricos e ecossistemas amazônicos e proporcionar maior proteção dos recursos aquáticos e habitats terrestres incluem a integração dos sistemas nacionais de monitoramento ambiental. Esse processo, que começou em 2019 com a criação da Rede de Qualidade de Água e da Rede Hidrológica Amazônica no âmbito do Projeto Amazonas, ganhou novo impulso com o Projeto Bacia Amazônica através do início da conceituação, fundamentação e implementação do Sistema Integrado de Monitoramento de Recursos Hídricos para a região.

Com a integração de dados de sistemas nacionais de informação sobre a qualidade da água, índices pluviométricos e níveis e fluxos dos rios, a governança participativa e inovadora da Bacia Amazônica ganha apoio fundamental. 600 milhões de hectares serão cobertos pelo Sistema Integrado de Monitoramento de Recursos Hídricos, fortalecendo a capacidade da região de resistir aos impactos de eventos climáticos extremos e do aumento do nível do mar, melhorando a resiliência das comunidades e dos ecossistemas e, por sua vez, a segurança hídrica e alimentar da população amazônica.

O professor Naziano Filizola, do Departamento de Geociências (Graduação e Pós-Graduação) da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e do Programa de Pós-Graduação em Clima e Meio Ambiente do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e da Universidade do Estado do Amazonas (CLIAMB/INPA-UEA), é o especialista responsável pelo desenvolvimento do Sistema Integrado de Monitoramento de Recursos Hídricos e pela criação da Plataforma Regional Integrada de Informações sobre Gestão Integrada de Recursos Hídricos (GIRH) na Bacia Amazônica. Esta plataforma irá disponibilizar os dados do sistema conectando-se ao Observatório Regional da Amazônia – ORA, o Centro de Referência de Informações sobre a Amazônia da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). Nesta entrevista, ele fala sobre a sua metodologia de trabalho, os desafios da harmonização de protocolos, a importância da cooperação regional e da participação social, entre outros assuntos.

 

Especialista fala sobre os desafios da integração dos sistemas nacionais de monitoramento ambiental para uma gestão regional das águas amazônicas

 

Professor, o senhor finalizou recentemente o seu Plano de Trabalho para a consolidação da Plataforma Regional Integrada de GIRH na Bacia Amazônica. Considerando que os oito países amazônicos possuem normas e procedimentos distintos em relação à gestão e ao monitoramento de suas águas, o senhor entende que o alinhamento desses protocolos para a geração de indicadores regionais com o rigor necessário, tanto técnico como científico, será o principal desafio na consolidação da Plataforma?

A harmonização dos protocolos nacionais é, certamente, um dos grandes desafios desse processo de integração dos sistemas de monitoramento, uma vez que cada país define a sua política de gestão dos recursos hídricos com base no contexto socioeconômico interno e na distribuição populacional. Por isso, são comuns as realidades em que o monitoramento das águas nacionais priorizou as bacias hidrográficas com maior densidade demográfica e onde há maior concentração de indústrias relevantes para a economia nacional, muitas vezes não privilegiando a Bacia Amazônica. Entre os países, há também diferenças em relação, por exemplo, ao nível de qualidade da informação obtida pelos sistemas de monitoramento ou ao tipo de processamento dos dados, e isso ocorre basicamente em função das diferentes tecnologias instaladas.

O alinhamento tecnológico e metodológico dos sistemas nacionais de monitoramento, que evidentemente exigirá mobilização de recursos financeiros para a adaptação dos sistemas existentes, é estratégico para o fortalecimento do monitoramento regional hidrológico e da qualidade da água na Bacia Amazônica. Ao comprometerem-se com a definição de protocolos comuns, os países estão buscando criar um cenário único da Bacia Amazônica para que a realidade da região possa ser vista em sua integralidade e não de forma parcial, como acontece hoje.

Neste sentido, a OTCA está desempenhando um papel central, que é o de apoiar os países para que a harmonização de protocolos seja feita no menor tempo possível, buscando colaborar, inclusive, no acesso a recursos financeiros, técnicos e humanos. As instituições nacionais que operam o sistema de monitoramento da quantidade e qualidade da água também têm sido atores importantes no processo, já iniciado, de construção de um conjunto de normas que irá ordenar o monitoramento das águas superficiais da Amazônia através da Rede Hidrológica Amazônica (RHA) e da Rede de Qualidade de Água (RCA).

 

Que parâmetros devem ser utilizados para realizar o alinhamento das distintas normas e procedimentos?

Nós partimos do princípio de que os protocolos comuns devem ser viáveis para todos os países, ou seja, precisam alcançar um patamar que os permita se adaptar da melhor forma e o mais rápido possível. Portanto, a incorporação desses protocolos deve ser precedida de uma fotografia da realidade e de uma avaliação sobre a capacidade de adaptação de cada país, o tempo necessário para o estabelecimento total de cada protocolo nos territórios nacionais, a necessidade de formação técnica das equipes e os aspectos socioculturais que podem representar um fator limitante ao processo.

Em consonância com esse princípio, a realidade de cada país foi o ponto de partida para a construção das primeiras propostas de protocolos apresentadas para o ordenamento da Rede Hidrológica Amazônica (RHA) e da Rede de Qualidade de Água (RCA), que irão compor o Sistema Integrado de Monitoramento de Recursos Hídricos. A totalidade dos protocolos a serem estabelecidos para cada uma das redes que formarão o sistema terá como base uma fotografia do que existe na região em nível nacional e deverá situar-se em um patamar comum de execução.

Não adianta tomar realidades altamente desenvolvidas como referência para o monitoramento dos recursos hídricos da região se nem todos os países serão capazes de alcançá-las. O compromisso deles é com a criação ágil de mecanismos de interação e integração para que a gestão regional seja viabilizada no menor intervalo de tempo possível, e não com a construção de obstáculos. No entanto, isso não significa que os países que estejam em um nível mais desenvolvido em determinados aspectos não possam seguir com o que estão fazendo, mas apenas que deverão, de forma solidária, seguir os mesmos protocolos dos demais para o compartilhamento de dados das estações indicadas para compor a RCA e a RHA.

 

Que papel tem a cooperação regional neste processo?

Uma vez que se trata de um processo desafiador para todos os países da OTCA, a cooperação entre eles é fundamental, principalmente, no que diz respeito à circulação da informação de forma rápida, eficiente e transparente, de modo a promover o conhecimento conjunto e imediato da realidade regional.  A troca de experiência sobre a coleta, processamento, distribuição e publicização de informação, e também sobre o uso de ferramentas e metodologias, é da maior importância, sobretudo, no processo de adaptação dos sistemas aos protocolos comuns.

O diálogo será, portanto, central na harmonização de normas e procedimentos pelos países. Por isso é que estamos prevendo diversas capacitações com ferramentas que facilitem a comunicação, o diálogo e a construção de boas relações profissionais entre as equipes de monitoramento.

Esta caminhada conjunta será seguramente uma experiência rica e com grande aproveitamento por parte dos profissionais e das próprias instituições de nível nacional e regional, que irão ganhar destaque no cenário nacional como operadores de sistemas de informação de qualidade.

 

Qual será a metodologia utilizada na consolidação do Sistema Integrado de Monitoramento dos Recursos Hídricos e na consequente implementação da Plataforma Regional Integrada de Informação sobre a GIRH na Bacia Amazônica?

O trabalho será organizado em unidades de processos organizacionais inter-relacionados como, por exemplo, aquele que se destina à validação e cadastramento de laboratórios de análises de água, de acordo com critérios previstos em protocolos, e o de criação de salas de situação para que os países tenham condições de analisar seus dados dentro do mesmo padrão de qualidade e definição.

Cada processo vai contar com ciclos sucessivos de gestão para que cada uma de suas etapas seja mapeada e gere indicadores de referência para a etapa seguinte. A montagem de um cenário ao final dos ciclos garantirá, em acréscimo aos indicadores de gestão, uma curva ascendente de melhorias de todas as etapas dos processos. Ao produzir um círculo virtuoso de gestão, essa metodologia permitirá que os oito países deem saltos de qualidade a cada final de ciclo, criando as condições necessárias para que a gestão integrada dos recursos hídricos seja viabilizada no menor intervalo de tempo possível.

 

De que forma o senhor prevê organizar a participação da sociedade civil no processo de consolidação da Plataforma e com que fim? 

A visão das realidades nacionais e regionais só pode ser construída a partir da escuta da sociedade. Não podemos contar apenas com informação fornecida por inteligência artificial, sistemas satelitais e automatizados; a tecnologia não substitui a necessária participação das pessoas nesse processo de construção de uma gestão integrada da Bacia Amazônica.

A experiência mostra que uma diversidade de iniciativas sociais de caráter pontual, como a renomada Iniciativa MAP, movimento transfronteiriço da Amazônia Sul Ocidental que reuniu sociedade civil, ONGs, academia e autoridades em favor do desenvolvimento sustentável da região, são capazes de fazer radiografias fiéis dos problemas locais e apresentar soluções viáveis para a Amazônia, condizentes com o respeito à dignidade dos cidadãos.  São iniciativas que podem muito bem ser replicadas em diferentes regiões da bacia onde existem problemas semelhantes.

Por isso, ao longo de cada um dos processos para a construção da gestão regional da Bacia Amazônica, organizaremos seminários para compartilhar informação técnica e científica e conhecer a opinião dos usuários dos dados de monitoramento, certos de que a escuta periódica da sociedade civil promoverá o aprimoramento contínuo da Plataforma Regional Integrada de Informações sobre a GIRH na Bacia Amazônica, do mesmo modo que as informações disponibilizadas na plataforma irão favorecer a ação e o monitoramento social.

 

O monitoramento regional dos processos de erosão, transporte de sedimentos e sedimentação dos rios da Bacia Amazônica é uma das ações-chave previstas no Programa de Ações Estratégicas (PAE) para a Gestão Integrada dos Recursos Hídricos da Amazônia, acordado por todos os países amazônicos há sete anos. Os dados relativos a esses processos estarão no Sistema Integrado de Monitoramento dos Recursos Hídricos?

Nós temos a responsabilidade de montar um quadro geral sobre o conhecimento do tema na Amazônia e de fazer uma avaliação das técnicas utilizadas pelos países para a montagem dos balanços de fluxo de matéria em suspensão, que são em geral custosas e fastidiosas. Por isso, também iremos avaliar a pertinência do uso de técnicas via satélite no monitoramento dos fluxos de sedimentos em suspensão nos rios da Bacia Amazônica. Uma vez que a tecnologia via satélite determina somente os fluxos que acontecem na superfície da água, nosso maior desafio será o de avaliar também o uso de técnicas acessórias que nos permitam conhecer o fluxo em toda a coluna d’água. A realização dessas avaliações tem como objetivo oferecer subsídios ao desenvolvimento de um programa de monitoramento dos fluxos de sedimentos em suspensão nos rios da Bacia Amazônica e sua posterior incorporação ao Sistema Integrado de Monitoramento de Recursos Hídricos.

  

A sua participação em grupos de trabalho e eventos promovidos pela Organização Meteorológica Mundial – OMM já lhe possibilitaram vislumbrar quais programas daquela instituição podem ser agregados ao Sistema Integrado de Monitoramento para fortalecer a gestão regional da Bacia Amazônica? 

A OMM tem hoje dois importantes programas nos quais, acreditamos, a OTCA terá condições de participar. São eles o WHOS e o HydroSOS. O primeiro é uma plataforma que facilita o acesso a dados hidrometeorológicos globais, e o Observatório Regional Amazônico (ORA) da OTCA poderá ter relevante papel neste contexto, convertendo-se, por exemplo, em uma importante janela da OMM para a Amazônia ou sendo um repositório de dados da região obtidos pela OMM. O segundo programa, que ainda está em desenvolvimento, vai gerar representações sintéticas sobre o estado atual das reservas de água superficiais e subterrâneas em diferentes partes do mundo, apontando as perspectivas de sua evolução a longo prazo e a probabilidade de eventos extremos ocorrerem no curto e médio prazo, entre outras. Por serem informações relevantes para a Amazônia, creio que a OTCA terá, também no caso deste programa, muito a intercambiar com a OMM.

 

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