Povos indígenas compartilham saberes e vivências para auxiliar análise sobre a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos na Amazônia

abr 14, 2022Biodiversidade, Evento, Notícias, Povos indígenas, Projeto Biomaz

OTCA reuniu representantes indígenas, especialistas e tomadores de decisão para trabalhar a inclusão de conhecimento tradicional na Avaliação Rápida da Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos na Amazônia, que está elaborando.

Representantes de povos indígenas expuseram as suas experiências sobre as ameaças e as oportunidades vivenciadas em seu dia a dia para colaborar com a Avaliação Rápida da Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos na Amazônia, em elaboração pela Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), com o apoio técnico do Instituto de Pesquisa de Recursos Biológicos Alexander von Humboldt, da Colômbia. Com o objetivo de fomentar um instrumento que incorpore o conhecimento tradicional em capítulos da Avaliação, o encontro internacional “Conhecimentos indígenas para o manejo adequado da diversidade biológica e da qualidade de vida na Região Amazônica”, realizado em Santa Cruz de la Sierra (Bolívia), entre os dias 04 e 06 de abril, proporcionou um diálogo e uma “escuta ativa” para aumentar a compreensão sobre a realidade dos povos tradicionais da Região Amazônica por parte de especialistas em diversidade biológica, autores da avaliação, tomadores de decisão e conhecedores e possuidores de conhecimento tradicional.

“Somos pessoas de diversas áreas, como cientistas, detentores de saberes indígenas, especialistas, funcionários públicos, decisores políticos, entre outros, mas algo une a todos nós: a responsabilidade pela nossa casa comum que é a mãe terra e a urgência do trabalho em ações concretas para conservá-la e tentar fazer um uso mais inteligente e respeitoso dela. Neste caso, em particular, estamos falando da Região Amazônica”, discursou a secretária-geral da OTCA, Alexandra Moreira, durante a abertura do encontro.

Nos três dias do evento, diálogos realizados entre os diferentes participantes permitiram a coleta de informações sobre o conhecimento dos povos indígenas, a relação natureza-sociedade e o marco regulatório para a governança na Amazônia, que devem subsidiar, em especial, o Capítulo 4 (Povos indígenas e saberes tradicionais) da Avaliação. Especialistas responsáveis pelo estudo, incluindo autores, coordenadores de capítulo e co-presidentes, consultaram os participantes sobre quais informações referentes ao conhecimento tradicional a Avaliação deve conter e quais mensagens aos tomadores de decisão devem ser incluídas no estudo.

“O balanço final foi bem positivo”, avaliou o co-presidente da Avaliação Rápida da Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos na Amazônia, Alfredo Portilla, para quem o encontro aprofundou o conhecimento sobre o estado de parte da situação da Amazônia em relação ao manejo da biodiversidade e de seus ecossistemas. “Ao reunir os povos indígenas e os autores da Avaliação, o encontro colocou novas luzes às investigações. Nele as autoridades dos povos indígenas manifestaram suas preocupações e seus interesses para as organizações envolvidas, que devem trabalhar de maneira conjunta os pontos comuns”, afirmou Portilla, que também atua como titular do Tribunal de Solução de Controvérsias Ambientais do Ministério do Meio Ambiente do Peru.

Como resultado do encontro, Portilla também destacou a maior compreensão dos especialistas sobre a experiência dos povos indígenas no manejo dos recursos naturais em seus territórios. “Foram apresentados estudos de caso de manejos e usos da biodiversidade que estão acontecendo com a participação direta dos povos em parceria com governos locais, incluindo algumas ações com o setor privado. Isto é algo que, definitivamente, vai realçar o papel dos povos na gestão integral da Bacia Amazônica e dos seus ecossistemas”, disse o co-presidente.

Por parte dos povos indígenas participantes, o balanço pós-evento também foi de missão cumprida. A representante da etnia Yanesha (Peru), Teresita Antazú Lopéz, afirmou: “Para mim, foi de muita aprendizagem, principalmente, porque se trata de coisas sobre nós. Como viemos das comunidades, sabemos dos problemas que temos e o que estamos enfrentando. É importante que escutem as nossas vozes, nos observem mais de perto e pensem sobre nós, já que querem ter mais dados dos povos e dos territórios. Esperamos que esses dados sirvam para apoiar e para ajudar de alguma maneira os países”.

Saberes tradicionais – Atores-chave do encontro, os detentores de conhecimento tradicional foram designados pelo Fundo para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas da América Latina e do Caribe (FILAC) e pela Coordenadoria das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA), co-realizadores do evento, que reuniram representantes de nove etnias, presentes em sete países amazônicos. Durante a atividade, os povos participantes organizaram mesas de conversa para apresentar e compartilhar suas vivências sobre o estado da biodiversidade e o seu papel na preservação do meio ambiente, além de avaliar a efetividade na aplicação de mecanismos estatais de proteção de territórios e saberes tradicionais.

“Acredito que foram vários os resultados importantes do encontro. Primeiro, nosso acompanhamento em três dias de trabalho, junto com os especialistas que estão ajudando a redigir os diferentes capítulos de Avaliação. Depois, a troca de experiências e pontos de vista que vão trazer novas propostas que devem ser amplamente socializadas, principalmente no que se refere ao processo de negociação do grande marco global de biodiversidade pós-2020”, disse o secretário-técnico do FILAC, Gabriel Muyuy Jacanamejoy, afirmando que os povos indígenas esperam “poder continuar firmes neste propósito para alcançarmos ações de maior impacto para a garantia dos direitos dos indígenas, em especial na Bacia Amazônica, que é uma região bastante complexa, com muitas dificuldades, mas também com muita riqueza e muito potencial”.

O coordenador geral da COICA, José Gregorio Díaz Mirabal, também considerou o evento um espaço necessário para aprimorar o diálogo e a articulação entre governos e povos indígenas amazônicos, o que não acontecia de forma presencial há muito tempo. “Validar a relação entre a ciência acadêmica e a sabedoria dos povos indígenas amazônicos em um marco respeitoso para que façam parte de um documento específico da Amazônia e da América do Sul foi outro resultado positivo do encontro. Acredito que demos um novo passo para iniciar a implementação de um plano de trabalho sobre questões de biodiversidade amazônica e povos indígenas”, afirmou Mirabal, citando que o evento também foi importante para que a COICA assuma um novo espaço político, no curto ou médio prazo, junto às negociações no âmbito da OTCA.

Durante o evento, também foi apresentada a Plataforma Regional dos Povos Indígenas da Amazônia. Um novo projeto da OTCA, com o apoio da Euroclima+, que objetiva melhorar a compreensão dos tomadores de decisão sobre o papel efetivo dos conhecimentos e práticas tradicionais em relação às alterações climáticas. A plataforma espera ser um espaço para reforçar o diálogo de saberes de diferentes sistemas de conhecimento, para que possam ser considerados na concepção de políticas públicas, CNDs (Contribuição Nacionalmente Determinada), atividades e projetos relacionados com a mitigação e adaptação às alterações climáticas.

“Nós, indígenas, estamos certos de que somos os verdadeiros atores e precisamos estar incluídos sempre. Como organização, como povo e como comunidade trouxemos um conhecimento para expressar aqui. A coordenação do evento foi magnifica, esperamos que esta não seja a primeira, nem a última vez, pois é muito bonito que nos tenham incluído em todas estas classes de trabalho, assim podemos alimentar mais o documento e seu objetivo”, afirmou a representante do povo indígena Chiquitano (Bolívia), Bernice Serataya, ressaltando que “é muito bom que todos escutem das próprias pessoas que vivem nos territórios”.

Amazônia em análise – A Avaliação Rápida da Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos na Amazônia é um dos componentes do Programa Regional de Diversidade Biológica para a Bacia/Região Amazônica da OTCA. Utilizando a metodologia da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), a análise pretende identificar tendências e causas da perda de diversidade biológica e da deterioração dos benefícios dos serviços ambientais prestados pela Amazônia. O objetivo é melhorar a tomada de decisão e orientar de forma mais efetiva, com base em dados científicos, o desenvolvimento de políticas públicas, estratégias, planos, programas e projetos sobre diversidade biológica nos países amazônicos.

A incorporação do conhecimento tradicional é uma forma dos resultados da Avaliação serem mais abrangentes, garantindo representatividade aos povos indígenas. “Muitos dos processos de avaliação, mesmo sendo feitos por consultores e especialistas de todo tipo, acabam mostrando somente uma parte da realidade. Os povos originários trazem diferentes visões. Essa representação gera informações que fortalecem o documento. São elementos fortes, que talvez possam fazer alguma diferença. Para mim, poder conhecer outros tipos de nações e entender outras formas de encarar os problemas é extremamente enriquecedor”, afirmou o diretor executivo do Museu Nacional de História Natural da Bolívia, Hugo Aranibar Rojas, um dos tomadores de decisão presentes ao encontro.

O resultado da Avaliação será um relatório de qualidade e alto nível de conhecimento, que proporcione aos governos, ao setor privado e à sociedade civil uma avaliação atualizada, independente e confiável, do ponto de vista de especialistas, cientistas e detentores do conhecimento tradicional. “Eu recentemente soube da OTCA. Para mim é algo novo, mas se pode ver que há anos estão trabalhando. Eu penso que se há algo bom dessas instituições para as comunidades, então é importante que essas comunidades sintam que realmente as organizações estão trabalhando por elas. E que vocês consigam tirar algo daqui. E que saia um bom produto disso. E que depois compartilhem conosco”, disse a representante da etnia Yanesha (Peru), Teresita Antazú Lopéz.

Para a secretária-geral da OTCA, embora tenha havido um aumento significativo da compreensão da biodiversidade e dos ecossistemas e sua importância para a qualidade de vida de todas as pessoas, a Avaliação poderá melhorar o entendimento sobre quais políticas, práticas, tecnologias e comportamentos podem trazer mais benefícios para a conservação e uso sustentável da diversidade biológica analisando as diferentes informações, entre elas, a procura de respostas para os vazios de informação identificados pelos diferentes relatórios feitos, e para o alcance de muitos dos compromissos internacionais, como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), as Metas de Aichi para a Diversidade Biológica e o Acordo de Paris sobre mudanças climáticas. “A Avaliação é crucial porque há um corpo de evidências que nos diz que aumentaram as múltiplas ameaças à diversidade biológica. Os mais recentes relatórios apontam, por exemplo, que o uso sustentável da natureza é essencial para se adaptar às perigosas interferências antrópicas no sistema climático, bem como para alcançar muitos de nossos objetivos de desenvolvimento mais importantes. No entanto, a diversidade biológica ainda está sendo perdida, os ecossistemas continuam sendo degradados e muitas das contribuições da natureza para as pessoas estão em risco”, finaliza ela.

Com realização do projeto OTCA BIOMAZ, em parceria com o FILAC e a COICA, o encontro internacional “Conhecimentos indígenas para o manejo adequado da diversidade biológica e da qualidade de vida na Região Amazônica” contou com o apoio da Agencia Española de Cooperación Internacional para el Desarrollo (AECID) e do Ministério Federal da Cooperação Econômica e do Desenvolvimento (BMZ) da Alemanha, por meio da Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH.

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